La Rochelle, 43e, 05
Une douzaine d'années avant Y ahora ? Recuérdame (Et maintenant ?), Joaquim Pinto et Nuno Leonel échouent dans une communauté de pêcheurs, à Rabo de Peixe, sur l'île açorienne de Sao Miguel. En parfaite complicité avec leurs hôtes, ils font un film, entre documentaire poétique sur la pêche à l'espadon, portrait d'un groupe d'irréductibles condamnés par la mondialisation de l'économie et la menace de la pêche industrielle (air connu ? oui) et réflexion sur la fin [déjà malade, Pinto retarde le moment de rallier Lisbonne pour y recevoir un traitement]. La version de leur film qu'il proposèrent en 2003 à la télévision portugaise était, disent-ils, ratée. En 2014, ils en concoctent un nouveau montage d'une heure vingt, que nous a montré La Rochelle. Sublime et indispensable, c'est le film portugais le plus excitant et le plus émouvant de la saison. En attendant une hypothétique sortie en salles ou en dévédé, on peut le visionner ICI.
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Entretien avec Joaquim Pinto, sur berlinda :
Berlinda (B.): Como surgiu a ideia de fazerem este documentário? Como é que descobriram esta localidade em São Miguel?
Joaquim Pinto (J.P.): Nos anos 90, eu e o Nuno, quando sentíamos necessidade de ter uns dias sossegados, íamos aos Açores. Tínhamos alguns amigos lá, não exatamente em Rabo de Peixe, mas amigos em Ponta Delgada, que também tinham trabalhado em cinema no continente e que por circunstâncias diversas, tinham decidido voltar para os Açores. E nessas idas, ainda antes da rodagem, uma das zonas que nos interessava era precisamente Rabo de Peixe. Eu, em 1979 tinha estado nos Açores, durante cerca de dois meses a filmar um documentário (quando estava a trabalhar só com som) e tínhamos filmado nessa localidade. Nessas idas, começamos a conhecer algumas pessoas de lá, de quem ficamos amigos e pensamos que seria interessante registar o trabalho e a vida delas. Tudo começou com uma relação de amizade com alguns pescadores. Foi este o ponto de partida.
B.: O que é que este sítio tem de especial?
J.P.: O que nos fascinou mais desde o início é que, ao contrário da imagem que se tinha de Rabo de Peixe como freguesia muito pobre, com problemas sociais, etc., verificamos que havia aqui toda uma vida organizada em volta de uma forma de trabalho ligado à pesca artesanal que era, na altura, ainda muito intensa. Foi importante perceber que estávamos em contacto com pessoas interessantes com uma visão muito aguda dos problemas em geral (dos Açores, da pesca em geral, problemas com o excesso de capturas, alterações climáticas, etc.). De uma forma muito ligada ao dia a dia, encontramos gente alerta para esses problemas, o que contrariava essa imagem negativa dos media, e pareceu-nos que fazia sentido documentar essa realidade.
B.: Quais as maiores dificuldades durante a produção do documentário?
J.P.: Da parte dos pescadores com quem filmamos não tivemos problemas, antes pelo contrário, todos eles receberam-nos como mais um elemento da equipa. A principal dificuldade para nós foi adaptarmo-nos ao dia a dia duríssimo deles. O mais complicado foi a dureza física, que faz parte do dia a dia deles, mas que para nós era diferente e inesperado. Filmamos em cima, mas também debaixo de água (imagens subaquáticas feitas pelo Nuno), em mar aberto, o que nem sempre é fácil e implica alguns cuidados.
B.: Qual a principal mensagem que pretendem transmitir?
J.P.: Concentrámos-nos totalmente no dia a dia de trabalho dessas pessoas (pescadores), mas há também todo um outro lado de Rabo de Peixe, do nosso convívio com as pessoas, as relações entre os homens e as mulheres, as tradições que são também mencionados. A principal questão focada é perceber de que forma é que o trabalho pode moldar as pessoas, não só o físico mas a a forma de ver o mundo…
B.: Qual foi a vossa reação quando souberam que este documentário era um dos escolhidos para a Berlinale 2015?
J.P.: Ficamos muito contentes e satisfeitos. Tínhamos feito uma versão inicial de 55 minutos deste documentário, mas esta versão apresenta mais imagens e sequências que não constavam da versão original porque estávamos limitados em termos de conteúdo e de tempo. Foi por isso que achámos que valia a pena voltar a pegar neste material e fazer um documentário com uma conceção mais nítida e próxima do nosso desejo.
B.: Apontem dois ou três argumentos pelos quais as pessoas não podem mesmo deixar de ver este trabalho?
J.P.: É ficarem a conhecer não só estas pessoas, mas um lado da vida delas que nem os próprios locais conhecem. Nós percebemos que a maior parte dos micaelenses não faz ideia do que se passa com estes pescadores. Até as crianças e as mulheres não tinham a noção do que acontecia no dia a dia dos seus maridos…há aqui qualquer coisa de inesperado e desconhecido, que é capaz de ser interessante. O facto de terem passado cerca de 15 anos desde o início desta aventura, também torna o documentário especial porque há muitas coisas registadas que desapareceram: artes de pesca, formas de organização da comunidade, etc. De certa forma, o que está ali registado, não se volta a repetir.
B.: Concordam que Rabo de Peixe em particular, mas os Açores no geral, são inspiradores, têm paisagens e histórias maravilhosas que podem ser contadas? O que mais vos encanta?
J.P.: Este filme mudou a nossa vida. Nós fomos para os Açores para rodar este documentário e a ideia era ficar um ano…acabámos por ficar sete anos! Só nos viemos embora porque era inviável em termos de saúde, precisávamos de vir com frequência aos hospitais. Mas se pudéssemos tínhamos continuado lá. Temos uma enorme paixão pelos Açores. Os Açores têm algo de muito especial. Há muitas histórias para contar, mas o mais interessante são as pessoas: há pessoas extraordinárias, há qualquer coisa ainda preservada e intacta e que se perdeu na maior parte dos sítios do continente, não só em termos de tradições, mas inclusivamente na qualidade do ar!
B.: Planos para o futuro?
J.P.: Estamos a preparar um projeto novo que ainda está numa fase inicial mas que será, basicamente, um filme em torno de algumas personagens femininas que, ao longo da história, usaram estereótipos sociais, etc., que tentaram viver intensamente a sua liberdade. Vai desde personagens de há dois mil anos, até personagens do século passado.